domingo, 25 de julho de 2010

Sobre Lou Andreas-Salomé

Em seu livro 'Lou Andreas-Salomé', o autor Stéphane Michaud é convidado a fazer um 'passeio' pela história de vida de Lou Andreas-Salomé, bem como pelos lugares onde ela andou, desvendando pouco a pouco o rico universo em que ela viveu.
Lou Andreas-Salomé, nasceu em São Petersburgo, no dia 12 de Fevereiro de 1861. Um ser contagiante, uma intelectual sedutora, uma grande ensaísta, uma das mulheres mais inteligentes, expressivas e avançadas da sua época.
Exuberante, forte, vigorosa, uma mulher excepcional, que amava a vida, e a vivia com total liberdade. Aliás, 'viver' era a palavra de ordem que a norteava. Usufruía a vida com ardor, e grande intensidade.
Ela nos chega através da literatura, do cinema, e da história da psicanálise.
Autora de muitos livros, entre romances, poesia, peças de teatro e ensaios, artigos e resenhas em revistas de filosofia e psicanálise.
Foi amiga de Freud e uma de suas principais colaboradoras. Freud gostava tanto de Lou que chegou a confiar-lhe a análise de sua filha Anna. Imaginem...
Ela foi a primeira mulher a frequentar o grupo de Viena, abraçando a causa psicanalítica desde os primeiros tempos, tornando-se a primeira psicanalista mulher.
Uma vez Freud escreveu-lhe: “Você tem um olhar como se fosse Natal”, quando falava-lhe de coisas “terríveis” acerca do psiquismo, e Lou não se abalava.
Quanto ao amor para Lou, este era sinónimo de libertação, vivendo-o de forma incomum. Era um ser invulgar nessa arte, como demonstra nessa citação: “O amor dos homens, por mais ilimitado que seja, necessita do apoio de um robusto amor-próprio, para deste modo poder extrair do tesouro de riquezas individuais, que sem dúvida possui, aquilo que pode dar aos outros..."
Era através do amor, da amizade, da poesia, da psicanálise que Lou recriava-se, ressignificava a sua vida, imprimindo mais humanidade a sua existência. Descobria outras possibilidades, fazendo desabrochar potencialidades, num movimento constante pela eterna busca de novas experiências, levando-a a grandes produções intelectuais, e a conhecer-se e reconhecer-se como mulher em toda a sua capacidade amorosa. Ela nunca sentiu medo de se conhecer melhor.
Podemos, portanto, afirmar que o amor, a arte, a poesia e a psicanálise foram as ferramentas básicas para que Lou se (re)editasse como mulher em toda a sua plenitude e força.
Sua trajectória aponta para uma mulher que sempre viveu à frente do seu tempo, e os seus textos revelam uma época em que pouco era permitido às mulheres. O estreito vínculo entre o erotismo e a criação, por exemplo, presente em tudo que criava, demonstrava o seu espírito inquieto e provocador. Para Lou, o estado mais próximo do erotismo, não é outro, senão o estado criador. “O êxtase estético deslizando para o êxtase erótico”.
Lou conviveu rodeada por homens, e embora convivendo com tantos, não menos exuberantes que ela, e por eles ter-se deixado encantar, à poucos entregou o seu amor. Na verdade, a sua biografia mostra que a sua única paixão, foi pelo poeta Rainer Maria Rilke, um jovem de 22 anos, quando Lou tinha 36.
Em 14 de maio de 1904, Rilke escreve a seu amigo Kappus uma carta que fala sobre o amor e a mulher:
“O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós próprios, a obra absoluta em face da qual todas as outras são apenas ensaios...A mulher, que uma vida espontânea, mais produtiva, mais confiante habita, está sem dúvida mais próxima do humano do que o homem...
E estas palavras 'moça','mulher', não significarão apenas o contrário de 'homem', mas qualquer coisa de individual, valendo por si mesmo; não apenas um complemento, mas um modo completo da vida: a mulher na sua autêntica humanidade". (Poemas e Cartas a um Jovem Poeta)
Era, definitivamente, a confirmação da análise feita por Lou sobre àquele que seria, até a morte, o grande e verdadeiro amor de sua vida. Um ser único, onde a sensibilidade e o intelecto interagiam de forma perfeita.
Sua relação com Rilke se revelaria fecunda para ambos. Quando Lou escreve 'A humanidade da mulher' e 'Reflexões sobre o problema do amor' (1899 e 1900), ela está sob o impacto da intensa experiência amorosa que vivia então, e Rilke também cresce como poeta mergulhado que estava neste amor.
Até o fim de sua vida, Lou faria do poeta a principal razão do seu afecto.
Em sua biografia, fica claro que o que a significou foi a sua natureza apaixonada, independente; foi a sua capacidade de dialogicidade em pé de igualdade com qualquer homem do seu tempo, por isso também foi respeitada.
Mas há muito o que se falar sobre Lou, isso não se esgota, pois à medida que me envolvo na magia das transformações da Obra (Lou), surpreendo-me cada vez mais com a riqueza deste percurso, pautado pela sua experiência interior; pela sua disponibilidade interna de viver o amor sem se perder de si mesma, pelo que há de “Humano, demasiadamente humano” (Nietzsche) em sua história.
Lou é a obra de arte, enquanto tal, transformando e recriando o seu 'criador', tomando de assalto o lugar possível do analista, transformando-se nesse olhar, para além de tudo que há.
A história de vida de Lou Andreas-Salomé, despertou em mim, há algum tempo, um grande fascínio por essa personalidade tão marcante, impulsionando-me a percorrer este caminho literário, bebendo dessa fonte cristalina de um saber que jorra da alma, sem a menor pretensão em analisar e/ou fundamentar teoricamente o seu viver.
E assim, apenas com os sentidos, vou seguindo a trajectória de vida desta grande mulher, através dos seus livros, e que se fez presente, respeitada e admirada num universo historicamente de machos, “uma das raras analistas que não é nem judia nem médica”.
Enfim, sempre que a retomo, dispo-me de outros saberes adquiridos, para não fragmentar e/ou comprometer a abrangência desse material ‘vivo’, e fazê-lo perder a sua unidade.



Iara Lugatte

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