domingo, 27 de setembro de 2009

Versos íntimos

Hoje acordei pensando na cáustica e melancólica poesia de Augusto dos Anjos, brasileiro, poeta e professor. E matutei comigo mesma 'parece que em algum lugar Anjos e Pessoa - O Fernando, se encontram, se conectam. Corrijam-me, por favor, os entendidos em anjos e pessoa, mas ambos apresentam uma linguagem orgânica que nos leva a perplexidade'.

Levantei-me, e fui até a estante buscar pela poesia que me faltava naquele instante, e lá estava ela, em forma de livro, capa preta, esperando para ser lida, e absorvida pelos meus sentidos: Eu, e outras poesias. Pronto aqui tens a intimidade desses versos, foi a minha escolha, e quero partilhá-la.


Versos íntimos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro da tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável

Mora entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro

A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga

Apedreja essa mão vil que te afaga

Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos (20 de Abril de 1884 - 12 de Novembro de 1914)



domingo, 20 de setembro de 2009

Projecto "Psicologia para todos"

Escolhi como primeiro texto para apresentar no meu blog algo que fale mais de perto às pessoas que se interessam, sobremaneira, por temas sociais e comunitários.
Começarei por referir o Projecto Social-Comunitário «Psicologia para todos» do qual sou a idealizadora, citando Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, autor do livro « As veias abertas da América Latina », sua obra mais conhecida, nomeadamente pela esquerda latino-americana. Neste livro Galeano faz uma análise sobre a história da América Latina desde o colonialismo até a contemporaneidade, sem esquecer de tocar numa das várias feridas sociais que foi/é a exploração económica e política do povo latino-americano pela Europa e pelos Estados Unidos da América.
Mas como diz o nosso Eduardo Galeano “Somos o que fazemos, sobretudo o que fazemos para mudar o que somos” decidi fazer a minha parte na tentativa de mudar o rumo das coisas.
A idéia da implantação de um Serviço de Psicologia Clínica Comunitária, direccionado ao atendimento de pessoas economicamente desfavorecidas, surgiu do meu interesse profissional - e por acreditar neste projecto – despertado, inicialmente, pela grande procura de pessoas - no circuito fechado do meu consultório - por ajuda psicoterapêutica. Chamou-me a atenção o facto de todas as pessoas, sem excepção, nem ex-clusão, serem usuárias de antidepressivos e ansiolíticos – remédio para acordar e remédio para dormir – que, já dependentes destes medicamentos, não conseguiam as melhoras que buscavam. Mas também não sabiam nomear o que sentiam, nem tão pouco, tinham conhecimento do trabalho de um Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta, afinal, o que já tinham ouvido falar é que esses “doutores” eram “médicos de doidos”. Eles não queriam ser vistos como tal, entretanto, frequentavam os consultórios dos psiquiatras sem nenhum pudor/temor.
Em geral, essas pessoas apresentam experiências marcadas por grandes dificuldades na história de suas vidas, tais como: histórico de depressão, problemas conjugais, alcoolismo, agressividade, maus tratos domésticos, insatisfação sexual, falta de recursos financeiros, nível sócio cultural baixo, etc., resultando num descontentamento pessoal profundo, conflitos existenciais, desencontros amorosos, ausência de auto-estima, visão negativa da vida, desinteresse por elas mesmas, enfim, um total abandono afectivo.
Importante notar que o número de pessoas, fundamentalmente, mulheres e jovens, que mantém uma ‘depressão’ medicada, mas sem apoio psicológico, insiste em subir, como mostra a minha prática clínica.
Logo, esta proposta deve-se, primeiramente, às necessidades específicas de uma população carente de outras terapêuticas auxiliares para o alívio dos seus problemas, sem descartar a importância da terapêutica medicamentosa, claro se faz.
Portanto, percebendo a existência de crenças limitadoras da vida, e na própria programação mental dessas pessoas que não sabem como lidar com as suas emoções, ao ponto de revirarem-se, foquei este trabalho no sentido de criar recursos para que estas possam compreender e superar as suas dificuldades emocionais, bem como, oferecer a comunidade local um espaço adequado onde possam recorrer em busca de um entendimento melhor de si mesmas, ao apresentar-lhes a possibilidade de re-significação, reforçando a idéia de que elas as responsáveis pela própria mudança, e que o trabalho do profissional de psicologia é ajudá-las neste percurso.
Assim, criei um grupo de trabalho com outros colegas, e estagiários, para tornar possível ampliar um espaço que privilegia a fala e a escuta de si mesmo, objectivando a reprogramação da própria existência.
O trabalho é feito individualmente e em grupo. O atendimento em grupo visa, fundamentalmente, tornar possível o debate sobre questões importantes para cada um, estimulando a reflexão, a troca de experiência e o pensar sobre as possíveis causas presentes na génese dos seus problemas (depressão, angústia, ansiedade, conflitos internos, dificuldades emocionais, etc.), e que caminhos tomar, para além dos medicamentos.
Bem como, produzir material para trabalho de pesquisa nos diversos segmentos da Psicologia Clínica, ao facilitar a intervenção do estagiário como futuro profissional de Psicologia nas diversas áreas de inserção desta profissão.
O Projecto "Psicologia para todos" é desenvolvido na cidade de Viseu e será implantado na Figueira da Foz, futuramente.