terça-feira, 9 de março de 2010

Espaço aberto

Caríssimos,

Esse espaço está aberto para publicações dos amigos, sejam literárias, psicanalíticas, políticas, educativas, sociais...o que comparecer será bem-vindo.
Aguardo a colaboração de todos.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mãe...só mãe

Mãe coruja, possessiva, super-protetora,
eu ouvia por onde passava.
Mas seguia em frente, feliz e realizada
com minha cria sob as asas.

Um dia a doutora dona Vida interpelou-me:
Mãe, disse ela, filhos não são para a senhora,
Está na hora de me entrega-los!

Atrás dela e junto com ela vinha Freud com
outros doutores e senhores do conhecimento.
Dedos em riste, testas franzidas, aguardavam
que eu acatasse e cumprisse o que ordenavam.

Junto comigo, e também atrás de mim,
quantas mães vi apertando os lábios e
os filhos contra seu regaço, assustadas
e pressionadas pela nova ordem das coisas.

Até então tinha sido diferente: Mães eram
reverenciadas como doadoras e mantenedoras
da vida, não como empecilho para a felicidade.

De repente, sem aviso, fomos arrancadas
de noite, encapuzadas, ainda adormecidas,
do pedestal para o patíbulo em praça publica.
E ninguém nunca nos explicou nada.

Nos diziam que o que tínhamos aprendido
com nossas avós, bisavós e ancestrais, tudo
à respeito da família e da maternidade,
estava errado. Era nocivo, perigoso e
tinha que ser extirpado da vida de todos.

E o que era então ser Mãe? Ninguém dizia.
Não sabiam do que isso se tratava,
desconheciam e não entendiam
o grande mistério da maternidade.

E assim a grande Mãe foi condenada:
em vez de guardiã da vida e da cria,
seu nome ganhou letra minúscula e
ela passou a ser vista e ouvida como
um mal necessário para a continuidade
da famigerada espécie e da sociedade.

E mandaram a mulher para o tanque
e depois lhe deram uma enceradeira,
eletrodomésticos modernos, portáteis e
o resto da história todo mundo conhece..

Mas o fato em si ninguém mudou,
apesar dos tubos de ensaio:
só acontece uma nova vida com
a associação do esperma e do óvulo
de um homem e de uma mulher.

E o útero não é só uma incubadora,
como querem alguns, é mais do que
isso, é um provedor inteligente e
incansável de calor, afeto e alimento.

Podem fazer bebês de proveta,
numa tentativa desesperada de
substituir a Mãe e driblar o
Milagre da criação. Podem.

Mas ali faltará com certeza o
Essencial, a corrente de amor
que flui, quando flui, da mãe
para o feto o tempo inteiro.

Amor que aconchega no desconforto
de começar a existir na existência,
na formação dolorida, com certeza,
dos tecidos , ossos, nervos e membros;
no primeiro movimento dos líquidos
circulando livre pelas novas veias .
E o coração, será que doe ou arde
quando bate pela primeira vez?
Ou assusta com seu barulho?

Ninguém se lembra como foi quando
seu pequeno braço começou a crescer.
Não tínhamos consciência alguém dirá,
e eu posso duvidar, será?
Não deve ser indolor vir a ser!
Como não é indolor nascer e crescer,
e como doe viver e morrer.

Mas o olhar materno, vigilante,
se mantém sobre o vivente,
como uma redoma invisível.
E o pequeno sabe, ele sente.
Mesmo inconsciente, corresponde
à proteção com confiança
e com gratidão, no começo.

Ah como é doce e gratificante
Dois bracinhos rodeando o pescoço
De alguém que cochicha : te amo Mãe..

E passam-se os dias, semanas,
meses , anos, até que um dia,
chega um novo tempo:
ele quer se libertar da dependência,
lhe dizem e ele reafirma irritado.
Concordamos todos, claro! É preciso
crescer, pensar com a própria cabeça !

E a Mãe que deu à Luz ,
(não é assim que se dizia no passado?)
aquele ser crescido em suas entranhas,
deve agora, humildemente e conformada,
retirar-se silente para a arquibancada.

De agora em diante, lhe ordenam:
assista daqui as proezas do seu filho,
mas sem interferir, apenas acompanhe.
E socorra, claro, quando necessário,
afinal, você é a mãe, lhe lembram!

Mas como é mesmo que é isso?
Se com um pedaço de unha se faz
uma magia que afeta uma pessoa,
se com um simples objeto seu, os
advinhos sabem o que aconteceu,
como que um pedaço da sua carne,
sangue, nervos e energia, que de
dentro de si se desprendeu, agora
não tem mais nada a ver consigo?

Só porque Freud e doutos senhores
concluíram que assim devia ser?
E outros, mais loucos ainda,
sentenciaram que era o único
caminho para nossa felicidade,
desvincularmo-nos de nossa origem,
como quem deixa casa, país, trabalho,
marido e muda de identidade.

Se as paredes de cimento guardam
registros e lembranças das dores
e alegrias daqueles que abrigaram,
que marcas terão aquelas do útero
que proveram e aconchegaram
o processo físico, emocional e mental,
sem falar na parte espiritual,
da criação de uma pessoinha?


Saiu o inquilino, a gente pinta e reforma
o ambiente e nem se lembra mais dele?
Não, isso só acontece com imóvel de aluguel!

Mas qualquer coisa feita com amor,
Suor e dor, fará parte intrínseca de nós,
como uma obra, um quadro, uma partitura.
E se essa obra ainda nos olha e chama Mãe!
Vibrando de carinho e necessidade do
nosso afeto, apoio, presença e calor,
desculpe-me a sociedade, a cultura,
a ciência e a psicanálise: não há
neste plano da existência , até agora,
recurso possível e eficiente para
desvincular essa mãe do filho,
por mais que queiram todos.

Filho só existe porque meu sangue,
meu oxigênio, meu organismo,
com todos os meus nutrientes,
hormônios, enzimas e líquidos
lhe abasteceram do necessário
para que sua forma se fizesse,
junto com sua Alma e sua Mente.
Por isso lhe chamo e sinto meu.

Este vínculo não é uma lenda, crença,
é físico, é quântico, é coisa visceral.

Não há separação possível,
nem na Vida, nem na Morte.
É para toda a eternidade.

Gilda Telles