terça-feira, 20 de julho de 2010

Pois é...

...cá estou eu novamente depois de um longo tempo vivendo uma espécie de 'hibernação intelectual', além das mudanças que a vida nos propõe, ou impõe?
E nesse contexto 'hibernante' retomei a poesia de Paul Celan, e um artigo do Freud com os meus caros alunos no nosso grupo de estudos que acontece de 15 em 15 dias no meu consultório na Figueira da Foz.
Trata-se do 'Mal estar na civilização' editado entre 1929/1930. Todo o texto é significativamente importante, e traduz o sofrimento e o desamparo do Homem de todos os séculos e séculos, amém. Praticamente 80 anos depois de escrito ele continua actual. Mas gostaria de centrar a minha reflexão sobre o que o nosso Mestre nos oferece no III capítulo sobre sofrimento e felicidade, já mencionado anteriormente no mesmo artigo:
"Até agora, nossa investigação sobre a felicidade não nos ensinou quase nada que já não pertença ao conhecimento comum. E, mesmo que passemos dela para o problema de saber por que é tão difícil para o homem ser feliz, parece que não há maior perspectiva de aprender algo novo".
Freud já havia dado a resposta, mas indica-nos as 3 fontes de que provém o nosso sofrimento:
- o poder superior da natureza
- a fragilidade de nossos próprios corpos
- e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade.
Quanto ao poder superior da natureza e a fragilidade de nossos próprios corpos, teremos que admitir que estes se constituem fontes indiscutíveis de sofrimento. A natureza é soberana, indomável, poderosa, e o nosso corpo faz parte dessa natureza, e nada nos resta senão adaptarmos-nos e submetermos-nos a ela. Sem que, portanto, nos rendamos a nenhuma força que nos conduza a paralização das nossas actividades. É a nossa luta constante pelo não-sofrimento, que ao meu ver também nos causa grande sofrimento, pois não o podemos eliminar definitivamente, somente atenuá-lo.
Segundo Freud, a terceira fonte é a social do sofrimento e a atitude do homem frente a ela é diferente pois este não a admite. E reforça:
"Não admitimos de modo algum; não podemos perceber por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao contrário, proteção e benefício para cada um de nós. Contudo quando consideramos o quanto fomos mal sucedidos, exactamente nesse campo de prevenção do sofrimento, surge em nós a suspeita de que também aqui é possível jazer, por trás desse facto, uma parcela de natureza inconquistável - dessa vez, uma parcela de nossa própria constituição psíquica"
Para Freud este argumento acaba por sustentar a ideia de que a civilização possui uma parte significativa de responsabilidade na desgraça humana e que esta seria mais feliz se abandonasse e retornasse 'às condições primitivas'. Freud refere-se a isso como "argumento espantoso" pois 'todas as coisas que buscamos a fim de nos protegermos contra as ameaças oriundas das fontes de sofrimento, fazem parte dessa mesma civilização'. E questiona: "Como foi que tantas pessoas vieram a assumir essa estranha atitude de hostilidade para com a civilização?"
Afinal, continua Freud mais à frente: "Torna-se um louco alguém que, na maioria das vezes não encontra ninguém para ajudá-lo a tornar real o seu delírio".

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