Mãe coruja, possessiva, super-protetora, 
eu ouvia por onde passava.
Mas seguia em frente, feliz e realizada 
com minha cria sob as asas.
Um dia a doutora dona Vida interpelou-me:
Mãe, disse ela, filhos não são para a senhora, 
Está na hora de me entrega-los!
Atrás dela e junto com ela vinha Freud com
outros doutores e senhores do conhecimento.
Dedos em riste, testas franzidas, aguardavam
que eu acatasse e cumprisse o que ordenavam.
Junto comigo, e também atrás de mim, 
quantas mães vi apertando os lábios e 
os filhos contra seu regaço, assustadas
e pressionadas pela nova ordem das coisas.
Até então tinha sido diferente: Mães eram
reverenciadas como doadoras e mantenedoras
da vida, não como empecilho para a felicidade.
De repente, sem aviso, fomos arrancadas 
de noite, encapuzadas, ainda adormecidas,
do pedestal para o patíbulo em praça publica.
E ninguém nunca nos explicou nada.
Nos diziam que o que tínhamos aprendido
com nossas avós, bisavós e ancestrais, tudo 
à respeito da família e da maternidade, 
estava errado. Era nocivo, perigoso e 
tinha que ser extirpado da vida de todos.
E o que era então ser Mãe? Ninguém dizia.
Não sabiam do que isso se tratava,
desconheciam e não entendiam 
o grande mistério da maternidade. 
E assim a grande Mãe foi condenada:
em vez de guardiã da vida e da cria, 
seu nome ganhou letra minúscula e 
ela passou a ser vista e ouvida como 
um mal necessário para a continuidade 
da famigerada espécie e da sociedade.
E mandaram a mulher para o tanque 
e depois lhe deram uma enceradeira,
eletrodomésticos modernos,  portáteis e
o resto da história todo mundo conhece..
Mas o fato em si ninguém mudou, 
apesar dos tubos de ensaio: 
só acontece uma nova vida com
a associação do esperma e do óvulo
de um homem e de uma mulher. 
E o útero não é só uma incubadora,
como querem alguns, é mais do que 
isso,  é um provedor inteligente e 
incansável de calor, afeto e alimento.
Podem fazer bebês de proveta,
numa tentativa desesperada de 
substituir a Mãe e driblar o 
Milagre da criação. Podem.
Mas ali faltará com certeza o
Essencial, a corrente de amor 
que flui, quando flui, da mãe
para o feto o tempo inteiro.
Amor que aconchega no desconforto
de começar a existir na existência, 
na formação dolorida, com certeza,
dos tecidos , ossos, nervos e membros;
no primeiro movimento dos líquidos
circulando livre pelas novas veias .
 E o coração, será que doe ou arde 
quando bate pela primeira vez?
Ou assusta com seu barulho?
Ninguém se lembra como foi quando
seu pequeno braço começou a crescer.
Não tínhamos consciência alguém dirá,
e eu posso duvidar, será? 
Não deve ser indolor vir a ser!
Como não é indolor nascer e crescer,
e como doe  viver e morrer.
Mas o olhar materno, vigilante, 
se mantém sobre o vivente, 
como uma redoma invisível.
E o pequeno sabe, ele sente.
Mesmo inconsciente, corresponde
à proteção com confiança
e com gratidão, no começo.
Ah como é doce e gratificante 
Dois  bracinhos rodeando o pescoço
De alguém que cochicha : te amo Mãe..
E passam-se os dias, semanas,
meses , anos, até que um dia, 
chega um novo tempo:
ele quer se libertar da dependência,
lhe dizem e ele reafirma irritado.
Concordamos todos, claro! É preciso 
crescer, pensar com a própria cabeça !  
E a Mãe que deu à Luz ,
(não é assim que se dizia no passado?)
aquele ser crescido em suas entranhas,
deve agora, humildemente e conformada, 
 retirar-se silente para a arquibancada.
De agora em diante, lhe ordenam: 
assista daqui as proezas do seu filho,
mas sem interferir, apenas acompanhe.
E socorra, claro, quando necessário,
afinal, você é a mãe,  lhe lembram! 
Mas como é mesmo que é isso?
Se com um pedaço de unha se faz 
uma magia que afeta uma pessoa, 
se com um simples objeto seu, os 
advinhos sabem o que aconteceu,
como que um pedaço da sua carne,
sangue, nervos e energia, que de
dentro de si se desprendeu, agora
não tem mais nada a ver consigo?
Só porque Freud e doutos senhores
concluíram que assim devia ser?
E outros, mais loucos ainda, 
sentenciaram que era o único 
caminho para nossa felicidade,
desvincularmo-nos de nossa origem,
como quem deixa casa, país, trabalho,
marido e muda de  identidade.
Se as paredes de cimento guardam 
registros e lembranças das dores
e alegrias daqueles que abrigaram,
que marcas terão aquelas do útero
que proveram e aconchegaram 
o processo físico, emocional e mental,
sem falar na parte espiritual,
da criação de uma pessoinha?
Saiu o inquilino, a gente pinta e reforma
o ambiente e nem se lembra mais dele?
Não, isso só acontece com imóvel de aluguel!
Mas qualquer coisa feita com amor,
Suor e dor, fará parte intrínseca de nós,
como  uma obra, um quadro, uma partitura.
E se essa obra ainda nos olha e chama Mãe!
Vibrando de carinho e necessidade do 
nosso afeto, apoio, presença e calor,
desculpe-me a sociedade, a cultura,
a ciência e a psicanálise: não há 
neste plano da existência , até agora,
recurso possível e eficiente para 
desvincular essa mãe do filho, 
por mais que queiram todos.
Filho só existe porque meu sangue,
meu oxigênio, meu organismo, 
com todos os meus nutrientes, 
hormônios, enzimas e líquidos
lhe abasteceram do necessário 
para que sua forma se fizesse,
junto com sua Alma e sua Mente.
Por isso lhe chamo e sinto meu.
Este vínculo não é uma lenda, crença,
é físico, é quântico, é coisa visceral.
Não há separação possível, 
nem na Vida, nem na Morte.
É para toda a eternidade.
Gilda Telles
quinta-feira, 4 de março de 2010
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Parabéns por presentear-me meu dia com esse lindo poema.
ResponderEliminarTu abasteceu minha alma, chorei, obrigada.
Bom fim de semana.
Fernanda Spelta